GALERINHA INFANTIL

domingo, 10 de setembro de 2017

'O que aprendi com índios sobre educação infantil': Reflexões de uma antropóloga e mãe

Uma reportagem muito interessante, principalmente pelo resgate do cotidiano tão saudoso e fértil, para a relação com a sociedade e a natureza.
Boa leitura!
 Foto: Camila Gauditano/Povo Yudjá













A antropóloga brasileira Camila Gauditano de Cerqueira, de 37 anos, teve seu primeiro contato com uma aldeia indígena no Brasil em 1992, aos 12 anos de idade. Sua mãe, a fotógrafa Rosa Gauditano, especializada em fotografia indígena, levou-a consigo em uma visita à aldeia Xavante Pimentel Barbosa (Mato Grosso).
Hoje, Camila dá consultoria sobre educação ao Instituto Socioambiental (ISA). E em uma viagem de trabalho à terra indígena Xingu, seguindo o exemplo da mãe, levou o filho pequeno, Martim, para visitar três etnias que vivem na região: os Kisêdjê, Ikpeng e Yudja.
Em entrevista à BBC Brasil, Camila compartilha suas reflexões sobre a experiência - e conta as lições que recebeu dos índios sobre educação infantil.
O Parque Indígena do Xingu (PIX) fica no nordeste do Mato Grosso, na porção sul da Amazônia brasileira. Xingu é o nome do rio que atravessa o território, que tem 2.642.003 hectares e onde vivem 16 etnias.
Camila foi ao Xingu para conversar com diretores e professores indígenas que ensinam nas escolas das aldeias visitadas. Enquanto trabalhava, muitas vezes deixava Martim, na época com três anos, brincando com as crianças das tribos.
"Ele ficava com as crianças ou com as famílias das crianças. Me sentia confiante. Por um lado, me perguntava, 'onde será que ele está, o que está fazendo?' Aí pensava: 'bem , está com as crianças, então está seguro'. Não fiquei com receio porque são cuidadosos e dominam aquele território."
Camila teve várias provas disso.
"Eu e o Martim fomos para a beira do rio, de onde havia saído uma canoa com crianças bem pequenas - quatro, cinco, seis anos - lá para o fundo. (Mas) começou uma ventania muito grande, o rio começou a ondular. De repente, vimos a canoa virar no meio do rio. Não tinha um adulto, ninguém. Subi correndo para avisar os adultos. Quando voltei, já tinha saído uma outra canoa, com outra turma (de crianças), resgatado as outras. Elas nadaram, viraram a canoa e voltaram para a beira. Estava tudo bem. Você vê que domínio sobre esse ambiente? É demais. Foi na aldeia Deia Tuba-Tuba, do povo Yudjá. São conhecidos como exímios navegadores."
O banho
O episódio da canoa virada no rio foi um entre vários momentos em que se deu conta, maravilhada, de que crianças pequenas podem muito mais do que imaginamos.
A relação peculiar com a água é o que permite tanta desenvoltura da criança indígena num ambiente que poderia ser perigoso para as da cidade, explica a antropóloga.
E tudo começa com o banho - algo que ela observou já na primeira aldeia visitada, os Kisêdjê.
"O banho é o momento em que a criança se integra com o ambiente da água. Aprende os limites do próprio corpo, desenvolve suas potencialidades, a pesca, a navegação. O ambiente é preparado pela comunidade para esse fim. Deixam o fundo bem limpinho, tiram o mato da beira do rio, você sabe onde pode ir e onde não pode. Colocam uma estrutura feita com um tronco de madeira onde você pode sentar a criança, ou lavar roupa".
"Crianças menores ficam na beira; as maiores, mais ao fundo; outros mergulham. É uma experiência do coletivo, das brincadeiras. A criança pequena observa o que é possível fazer e realizar nesse lugar, de acordo com suas capacidades, em diferentes fases. O Martim ficou encantado".
Mas e os riscos para as crianças?
"Uma coisa é a gente ter contato esporadicamente (com o rio). Outra coisa é o contato diário, duas, três vezes por dia. Você vai se apropriar daqueles desafios, daquele ambiente. Há pouco espaço para perigo".
Meninos caçadores
Na visita aos Kisêdjê, outros episódios chamaram a atenção da antropóloga.
Uma tarde, Martim convidou um grupo de crianças da aldeia para visitar a casa do ISA, onde ele e a mãe estavam hospedados.
"Os meninos foram com seus estilingues", conta Camila. "Aí viram que tinha morceguinho na casa e decidiram caçá-los com o estilingue. Foi a primeira experiência do Martim de ver o bichinho, de ver a habilidade do caçador, desenvolvida desde pequenininho. Deviam ter cinco ou seis anos e conseguiram caçar o morcego."
Birra
Em outra ocasião, na saída do banho, Camila observou um jeito diferente de os pais lidarem com birra de criança.
"Não sei por que motivo, uma criança começou a chorar muito. Os pais estavam saindo do rio, talvez ele quisesse ficar mais tempo na água… Os pais simplesmente saíram andando. A criança foi atrás, chorando".
"Não tem essa bajulação, de ficar em cima, 'o que foi, o que aconteceu? Se você parar de chorar, te dou isso…' Tomaram a atitude de não alimentar a birra. Essa é uma observação muito pessoal, mas acho que o princípio é, quanto menos bola se dá para a birra, mais a criança tem condições de resolver suas próprias frustrações."
Amamentação
Por outro lado, diz a antropóloga, não falta atenção às crianças nas aldeias.
As mães têm total disponibilidade para estar com as crianças. Enquanto são bebês, a mãe não sai para trabalhar na roça. "A família faz esse trabalho por ela", diz Camila. "Às vezes, até o marido tem restrições para ir à roça quando tem bebê pequeno."
Mais tarde, se a mãe vai à roça, tem a ajuda dos parentes. "A criança pequena fica com a tia ou avó."
Ou seja, não há a angústia ou a culpa da separação que aflige tantas mães trabalhadoras nas cidades. Também não há a preocupação com a amamentação - ou com o desmame:
"Já vi criança de três anos sendo amamentada. Lá é livre demanda, quer mamar, mama. Na mãe, na tia, na avó… às vezes, a mãe saiu mas a avó está ali e tem leite. Ela dá. É normal."
A criança tem atenção constante, mas também tem liberdade - se quiser.
"Quando a mãe vai para a roça, a criança, já mais velha, vai com ela. Mas quando a mãe está em casa, na aldeia, as crianças estão no pátio, indo atrás de passarinho, de bichinho, brincando".
"A partir de três anos, já são bem mais independentes em relação à mãe (do que as da cidade). Elas têm circulação livre na aldeia, mas nunca estão sozinhas. Estão sempre acompanhadas de crianças do mesmo tamanho ou maiores."
"Na nossa sociedade você não tem esse apoio coletivo que existe no convívio de aldeia. Não partilhamos a educação de nossos filhos com a comunidade."
(...)
Para quem deseja aprender com o índio, "o ponto de partida é a integração de um povo indígena com o ambiente em que vive". Isso significa integrarmos nossas crianças com o ambiente delas: "O quintal de casa, a terra, as plantas, os parques, as praças, a rua, a comunidade".
"Você não precisa estar numa aldeia indígena para ter uma relação integrada com o seu meio. Pode desligar aparelhos celulares e tablets, ampliar a observação, a escuta, as possibilidades que sua própria realidade traz (para a criança)." (...)
- Imagens e reportagem completa em BBC:
* Reflexões de uma antropóloga e mãe: 'O que aprendi com índios sobre educação infantil' 
Mônica Vasconcelos: Da BBC Brasil em Londres 
Conteúdo BBC: 10 setembro 2017

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